Mercosul em imagem digital
JUAN PABLO LOHLÉO
futuro chegou faz tempo em matéria de qualidade audiovisual. De fato, alguns países já desenvolveram padrões de televisão digital que produzirão uma poderosa mudança em nossos hábitos visuais.Na República Argentina, da mesma forma que no Brasil, vem sendo realizado um debate transcendente sobre o sistema de televisão digital a ser adotado.
Se tomarmos uma decisão unilateral de padrão de TV digital, mostraremos uma imagem diluída do processo de integração
Os sistemas em jogo são os produzidos e vendidos desde os Estados Unidos (ATSC), a Europa (DVB) e o Japão (ISDB), e o modelo escolhido determinará não só um nível de qualidade técnica mas também poderá constituir uma contribuição em termos de industrialização, exportações e emprego.Na Argentina, analisou-se cada sistema em termos de suas características técnicas e chegou-se à conclusão de que não existem diferenças significativas entre as três alternativas. Isso não quer dizer que os três sistemas sejam iguais, mas que o resultado da transmissão será equivalente e que as deficiências atuais de cada um dos padrões certamente serão corrigidas num futuro próximo. Resulta impensável, por exemplo, que no Japão e na Europa se possa assistir televisão na tela dos telefones celulares, e que nos EUA, não. Sem dúvida, os fabricantes norte-americanos resolveriam isso em pouco tempo. O mesmo ocorre com a qualidade da imagem e com os demais fatores técnicos.Pois bem, ao colocarem as características técnicas como insumo para a escolha num segundo plano, as autoridades argentinas decidiram, a fim de avaliar os benefícios de cada padrão, dialogar com os consórcios que os promovem sobre as vantagens que a escolha de cada um deles acarretaria ao país em termos de economia de transferências para o exterior (regalias), criação de emprego e desenvolvimento da indústria e da pesquisa.Assim, concluiu-se que, para que os consórcios donos dos padrões técnicos de televisão digital extremassem os benefícios de suas ofertas comerciais, seria melhor apresentar o Mercosul como um mercado consumidor unificado. Para qualquer um dos três consórcios, obter o ingresso no bloco seria mais atrativo do que conseguir que seu sistema fosse implantado no Brasil ou na Argentina individualmente.Com essa idéia, a Argentina e o Brasil começaram a conversar em novembro de 2005. Como resultado, no dia 30 desse mesmo mês, foi assinado um "Acordo sobre Cooperação na Área de Televisão Digital Terrestre", pelo qual ambos os países coincidiram em apresentar uma frente comum de negociação a fim de, na medida do possível, anunciar um único padrão, ainda que a decisão seja implementada por separado.Não obstante isso, a escolha do padrão de televisão digital não é tão simples como pareceria a primeira vista. Como já dissemos, há vários elementos a serem considerados. A contribuição para a industrialização e o emprego, a economia de regalias e as modalidades de transmissão, por um lado, e a oferta de escala de mercado e o efeito contágio do qual sairão beneficiados os possuidores-vendedores da tecnologia, por outro, são fatores de peso na negociação para a adoção de um dos três padrões.A República Argentina acompanha com atenção o desenvolvimento do debate público sobre esse tema no Brasil. Nesse sentido, pareceria que existe uma perspectiva que não tem sido suficientemente considerada. Trata-se das implicâncias políticas regionais da decisão. Certamente, além dos eventuais benefícios econômicos que possa acarretar a escolha de um padrão de TV digital, existem, sem dúvida, benefícios políticos que podem e devem ser avaliados.De fato, hoje em dia, nossos países não possuem o mesmo padrão de televisão analógica em cores. Se, diante dessa oportunidade de adotarmos um rumo conjunto, tomarmos a decisão unilateral de adotar um padrão de TV digital, estaremos mostrando uma imagem diluída de nosso processo de integração e, além disso, não significará que o outro país escolha idêntico caminho; seria transmitida uma imagem política em preto e branco. Adotando decisão conjunta, o Mercosul emitiria um sinal de unidade e de convicção muito forte. Seria um sinal de que não se trata apenas de um processo de liberalização comercial, mas de um autêntico projeto comum. Estaríamos, assim, diante de uma verdadeira imagem digital do Mercosul.
Juan Pablo Lohlé é o embaixador da Argentina no Brasil.
Fonte Folha S.Paulo - Tendências/Debates 30/04/06